O meu bairro
Hei-de amar o meu bairro com todo
o meu silêncio! Mas se, um dia, falar deste meu bairro, que amarrou os dias da
minha vida, direi as mais loucas palavras que inventarei para o efeito. O meu
bairro merece que crie palavras recheadas de emoção, de sedução e de saudade.
Crescemos juntos! Fomos amigos, mesmo em silêncio.
Mais que as casas, edifícios
corpulentos ou prédios a aprender a crescer, há pessoas, ruas e espaços de
referência. Há um Ritual que marca a diferença! E, ao fim de tarde, entre as
cervejas que afagam a dor de existir, as conversas trazem ideias e vontades de
mudar o futuro de um país. O meu bairro podia ser um estado novo e ter um
presidente. Eu saberia muito bem quem eleger! Mas, como Comunidade, já é um
grande bairro porque nele vivem pessoas humildes e trabalhadoras, porque
existem escolas e campos de futebol, uma grandiosa biblioteca, entre creches e
outras coisas que uma grande Comunidade deve ter. Também existe tanto que os
moradores nunca ousaram descobrir, para desfrutar ou para mostrar aos que nos
visitam…
E a minha rua, perdoem-me as
outras ruas vizinhas, é a que melhor paisagem oferece.
Nela montaria uma esplanada maior
do que as que já existem, mas no meio da estrada, para contemplar o Tejo e a
ponte Vasco da Gama, e no fim da estrada, junto ao estacionamento, mandaria
construir um palco versão arena da Grécia antiga para que o teatro tivesse um
espaço próprio com obrigação de assistência, ao final da tarde e pela noite dentro,
maior que outro qualquer evento já realizado por estas bandas. Ali desfilavam,
à vez, os personagens míticos do bairro, desde dos Smurfs aos Vikings
sem esquecer os oradores vestidos a rigor que a política impõe. Talvez seis
dias por semana, no máximo, falaríamos do amor pelo nosso clube e depois, se
tempo sobrasse, pelo amor ao desporto-rei que é quem domina as conversas da
minha rua. Mas falaríamos também de política, das artes e da crise. No meu
bairro a crise nunca entrou pois nele não há extravagâncias nem grandes espaços
comerciais. Nem promoções de loucos apaixonados pelo sindroma do amanhã. Aqui
tudo é sereno como as horas que morrem devagar. Hei-de amar as noites e os dias
que mergulhar nesta vida sem igual e que se vão perdendo nos tempos modernos.
Hei-de amar os silêncios interrompidos pelos pássaros e os gritos que chamam
algumas alcunhas agasalhadas pela solidariedade.
Mas o meu bairro é muito mais
para além dos meus olhos, do meu silêncio ou do meu incondicional amor. Nele
habitam gerações de linhagens díspares, problemas sociais e vizinhos que não se
falam ou hábitos de solidão. O desemprego é o nosso mais recente vizinho! No
meu bairro o amanhecer é sempre de esperança e apesar de todas as coisas menos
boas é o local perfeito para existir, para conviver com os amigos e desfrutar
as emoções da vida. Eu gosto que gostem do meu bairro!
Publicado na edição n.º 9 | I Ano
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