Os meninos da bola
Num ano para sempre recordar, era setembro que amanhecia nas
minhas mãos e três vezes por semana acontecia magia quando, ao final da tarde,
primeiro, e depois já ao princípio da noite, os meninos de tenra idade se
juntavam num campo pelado para, atrás de uma bola que girava como o seu mundo,
correrem como quem busca o maior sonho.
Os meninos da bola queriam aprender, queriam saber sorrir e,
mais que tudo, queriam jogar à bola como quem faz o caminho da alegria, como
quem mostra ao mundo que a sua felicidade era, tão simplesmente, alcançada num
golo ou na amizade de estarem juntos e juntos queriam encontrar o seu destino.
Os mais velhos, de onze anos de idade (2001), eram iguais aos mais novos
(2003/04) no trato, na disciplina e no profundo respeito por todos os que os
rodeavam e, dentro do campo, a bola não deslumbrava idades mas sim vontades,
jeitos e todo o trabalho que desenvolviam. Aquele momento trissemanal era o seu
prémio – houvesse ou não jogo ao sábado.
E foi delicioso vê-los correr rumo ao crescimento tático, a
evolução da condição humana e ao desempenho coletivo. Em quase três meses (33
treinos) já não eram uns meninos que, ao acaso, estavam num mesmo espaço e
passaram a ser amigos (como os mais adultos são) que juntos brincavam quando se
proporcionava brincar e trabalhavam arduamente quando assim se exigia. Eram já
uma equipa de futebol em que cada um sabia qual era o seu espaço, a sua função
e o objetivo comum.
Mas, como no seu mundo mandam os adultos, um dia a notícia
anunciava a partida do seu treinador. Sem perceberem a razão, o olhar imediato
de espanto foi depressa substituído por um rio de lágrimas que passava por ali
naquele momento. A noite fria e escura mostrava-lhes que, no seu caminho, havia
um ou outro percalço e que nem sempre só de trabalho e vontade se construía o
seu querer.
Até que a semana findou e, no sábado de manhã, um jogo iria
acontecer; não por acaso, seria, nem mais nem menos, o dérbi da terra.
O sábado amanheceu chuvoso e o campo tinha pequenos lagos
que dificultavam o futebol, mas aqueles heróis de luta e querer tornaram-se
gigantes e venceram por 2-1. Acontecia história e uma grande felicidade porque
ali conseguiam a sua primeira vitória oficial e logo frente aos seus amigos e
colegas de escola. E após o apito final do árbitro, correram em conjunto para a
zona onde se encontravam os seus pais, para comemorar aquele acontecimento
especial e, num movimento espontâneo, como só as aves sabem fazer, voaram em
direcção ao seu ex-treinador (que assistia ao jogo fora do campo) para lhe
dedicar a sua primeira vitória oficial.
Guardarei o momento. Os seus olhos bordados de gratidão eram
o maior troféu que algum dia sonhara existir.
Ali, no momento mais alto, sentira que o cordão umbilical se
cortara para o futebol, porque aqueles homens de amanhã estavam encaminhados,
porque mais que ganhar é preciso saber estar, porque mais que o futebol há a
vida que merece ser vivida com amor e respeito, e eles, os meus pequenos
heróis, tinham acabado de demonstrar que aprenderam um pouco mais do que como
rola uma bola, porque perceberam como rola o mundo.
Talvez um o dia os reencontre num outro clube ou até num
campo qualquer, mas saberei que, em cada um deles, terei as mais gratas
recordações.
Os (meus) meninos da bola já são hoje uns homens que nos dão
as mais belas lições e nos fazem acreditar num futuro mais justo e amigo.
Parabéns, equipa! Parabéns, amigos! Até sempre e muito
obrigado por tudo.
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