sexta-feira, novembro 30, 2012

Os meninos da bola - Crónica de Dezembro 2012


Os meninos da bola

 

Num ano para sempre recordar, era setembro que amanhecia nas minhas mãos e três vezes por semana acontecia magia quando, ao final da tarde, primeiro, e depois já ao princípio da noite, os meninos de tenra idade se juntavam num campo pelado para, atrás de uma bola que girava como o seu mundo, correrem como quem busca o maior sonho.  

Os meninos da bola queriam aprender, queriam saber sorrir e, mais que tudo, queriam jogar à bola como quem faz o caminho da alegria, como quem mostra ao mundo que a sua felicidade era, tão simplesmente, alcançada num golo ou na amizade de estarem juntos e juntos queriam encontrar o seu destino. Os mais velhos, de onze anos de idade (2001), eram iguais aos mais novos (2003/04) no trato, na disciplina e no profundo respeito por todos os que os rodeavam e, dentro do campo, a bola não deslumbrava idades mas sim vontades, jeitos e todo o trabalho que desenvolviam. Aquele momento trissemanal era o seu prémio –  houvesse ou não jogo ao sábado.

E foi delicioso vê-los correr rumo ao crescimento tático, a evolução da condição humana e ao desempenho coletivo. Em quase três meses (33 treinos) já não eram uns meninos que, ao acaso, estavam num mesmo espaço e passaram a ser amigos (como os mais adultos são) que juntos brincavam quando se proporcionava brincar e trabalhavam arduamente quando assim se exigia. Eram já uma equipa de futebol em que cada um sabia qual era o seu espaço, a sua função e o objetivo comum.

Mas, como no seu mundo mandam os adultos, um dia a notícia anunciava a partida do seu treinador. Sem perceberem a razão, o olhar imediato de espanto foi depressa substituído por um rio de lágrimas que passava por ali naquele momento. A noite fria e escura mostrava-lhes que, no seu caminho, havia um ou outro percalço e que nem sempre só de trabalho e vontade se construía o seu querer.

Até que a semana findou e, no sábado de manhã, um jogo iria acontecer; não por acaso, seria, nem mais nem menos, o dérbi da terra.

O sábado amanheceu chuvoso e o campo tinha pequenos lagos que dificultavam o futebol, mas aqueles heróis de luta e querer tornaram-se gigantes e venceram por 2-1. Acontecia história e uma grande felicidade porque ali conseguiam a sua primeira vitória oficial e logo frente aos seus amigos e colegas de escola. E após o apito final do árbitro, correram em conjunto para a zona onde se encontravam os seus pais, para comemorar aquele acontecimento especial e, num movimento espontâneo, como só as aves sabem fazer, voaram em direcção ao seu ex-treinador (que assistia ao jogo fora do campo) para lhe dedicar a sua primeira vitória oficial.

Guardarei o momento. Os seus olhos bordados de gratidão eram o maior troféu que algum dia sonhara existir.

Ali, no momento mais alto, sentira que o cordão umbilical se cortara para o futebol, porque aqueles homens de amanhã estavam encaminhados, porque mais que ganhar é preciso saber estar, porque mais que o futebol há a vida que merece ser vivida com amor e respeito, e eles, os meus pequenos heróis, tinham acabado de demonstrar que aprenderam um pouco mais do que como rola uma bola, porque perceberam como rola o mundo.

Talvez um o dia os reencontre num outro clube ou até num campo qualquer, mas saberei que, em cada um deles, terei as mais gratas recordações.

Os (meus) meninos da bola já são hoje uns homens que nos dão as mais belas lições e nos fazem acreditar num futuro mais justo e amigo.

Parabéns, equipa! Parabéns, amigos! Até sempre e muito obrigado por tudo.
 
 
Publicado na Edição n.º 15 | Ano II | Dezembro 2012

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