Crónica do
Adeus
Sexta-feira.
19 de Outubro de 2012. Acabara de receber um email a solicitar a crónica para edição de novembro, com a
indicação do prazo limite de envio, e ainda mal sabia o que iria escrever.
Pouco tempo depois esta sexta-feira (o dia da semana de que menos gosto)
ficaria irremediavelmente perdida com a notícia da partida de Manuel António
Pina.
Pouco
antes, e em sentido contrário, através do Facebook, eu escrevia: “Bom fim de semana para todos os
meus amigos!
Sorriam e divirtam-se, porque a vida passa depressa...
Abraços!”
Sorriam e divirtam-se, porque a vida passa depressa...
Abraços!”
Não
imaginava que tão triste notícia abrigava, forçosamente, o meu sorriso e
roubava um sonho, entre tantos outros, que escondia atrás desta minha paixão
literária; conhecer pessoalmente e publicar (um só livro que fosse) Manuel
António Pina. Cheguei, timidamente, a segredar a alguém este louco desejo.
Talvez,
dentro do meu egoísmo, ainda não tivesse assumido algo mais importante: a
literatura portuguesa acabara de sofrer um rude golpe! Mais um...
Assim,
entre a perda e a tristeza profunda, decidia o que iria escrever para o jornal
de novembro: Uma crónica do adeus.!
Mais que a
qualidade da crónica, que a tristeza do momento, queria perpetuar em meu redor
um justo e digno adeus. Homenagear. Manuel António Pina fazia-me ficar parado
em frente ao televisor. Atento. Gostava das suas entrevistas. Fazia-me ler com
prazer. Gostava da sua escrita, em particular, da poesia rendilhada de
diferença, e adivinhava um homem excecional na inteligência e saber. Fazia-me,
portanto, sonhar com a remota possibilidade de criar uma relação com o próprio,
abordando várias temáticas e em especial sobre a paixão comum.
Não
aconteceu. Mas agora nada importa. Não importam os seus muitos prémios
literários nem os momentos que não aconteceram. Nem tão pouco importam os
dispersos acontecimentos após a sua morte, se poucos dias passados ninguém
recorda a obra ou o génio. Talvez, por isso, insista nesta crónica do adeus
para relembrar, NÃO O SONHO, mas a memória. A memória colectiva que se apaga
pela falta dos afectos, dos gestos mais disseminados ou das vontades que
ergueram o que nós agora somos. Sem educação e sem cultura nunca viajaremos no
tempo nem amaremos os que nos deram tanto e tanto; para muitos, foi sempre um
nada fingido de sobressaltos. Devíamos, diariamente, agradecer o que temos.
Devíamos compreender a grandeza dos que partiram sem comparações ou atropelos e
sem medos.
Obrigado
amigo do meu sonho. Um abraço. Com o poema deixo-me ficar em ti.
NÃO O SONHO
Talvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.
Manuel António Pina, em Atropelamento e Fuga.
1 comentário:
Gostei muito destas tuas palavras ao Poeta, ao Sonho e à Vida! Beijos.
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