O meu vizinho lembrou-se de colocar uma folha, nos elevadores do prédio, em jeito de comunicado da Administração, que rezava assim:
Estimados Condóminos,
Temos recebido imensas queixas anónimas por causa dos cagalhões, que, diariamente, aparecem perdidos no chão do hall do prédio e em alguns patamares. Espalhados que ficam, provocam um mal-estar a quem visita o prédio, obrigando os moradores a andarem de olhos pregados ao chão para que não tenham que pisar esses meritórios abjectos naturais.
Há uma particularidade de que ninguém se queixou – o odor – o que significa que essa parte, não sendo visual não merece qualquer referência ou, melhor ainda, é algo em que o hábito se sobrepôs. Seja como for, há uma necessidade premente de convocar uma reunião extraordinária – regida pela boa educação – em que serão expostos os argumentos dos queixosos, já aqui adiantados, bem como estes darão a cara contra os responsáveis. Por sua vez, entre os responsáveis, terá que haver um consenso sobre o/os causador/es desta anomalia e que, em paralelo, devem trazer argumentos para corrigir este problema.
Fica assim a reunião marcada para o próximo sábado pelas 21 horas.
Atentamente,
A Administração
Certo é que, no dia, houve condições para realizar a maior assembleia jamais imaginada, dado que os curiosos eram em maioria. Queiram saber tudo, quem eram os queixosos, os culpados e, provavelmente, as medidas ou represálias a tomar. No entanto a assembleia não se realizou, porque não se sabia quem a tinha colocado aquele papel com caracteres de malandrinho no elevador. Houve apenas uma grande cavaqueira, em que vizinhos que mal se conheciam puderam conversar
Depois os cães deixaram de vir a rua, pelo menos nos horários habituais, porque nunca mais foram avistados animais pelos elevadores ou pelas escadas.
O meu vizinho ainda hoje se ri, quando nos cruzamos e trocamos olhares, certo de que nunca mencionarei o seu nome.
Um dia, quem sabe, se não farei também a minha brincadeira de caracteres.
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