sábado, março 03, 2012

Digo Eu...

Ponte Vasco da Gama


Atravesso diariamente esta ponte. Confesso que é uma ponte apelativa a alta velocidade. Por isso, na maioria das vezes, a faixa que uso é a da esquerda. Mas também tenho dias em que vou muito cedo, ou melhor, sem qualquer pressa, e então uso a faixa da direita (excepto para ultrapassar) o que me permite desfrutar da magnífica paisagem. Pela manhã há a movimentação dos pescadores e o céu é um quadro desenhado a gosto onde, muitas vezes, a lua ainda é o destaque.   

Regressar a Lisboa, ao fim do dia, é digno de se ver. Há um pôr-do-sol encantador e uma cidade linda à nossa espera.

E é nestas ocasiões, ou passeios pela ponte, que, muitas vezes, reparo nos veículos que se “colam” à faixa do meio. Independentemente da velocidade, do trânsito ou da paisagem, atravessam a ponte sempre na mesma faixa: andam na do meio – porque é no meio que está a virtude, tal como a velha máxima nos ensina.  

O que não sabem, até porque não há nenhuma máxima sobre este tema, é que não facilitam a sua vida, nem a dos outros, com este tipo de condução. Também não sabem ou não se lembram que esta permanência na faixa do meio é perigosa porque, em caso de acidente, a capacidade de manobra e de evitar novo acidente é menor para os outros condutores.   

De facto, a ponte é agradável e eficaz. Mas é como tudo na vida, tem um lado positivo e um negativo. Lembro-me das portagens, outra coisa inflacionada, e cada vez mais impessoal, com máquinas que nos levam o dinheiro, de uma forma educada – e que até nos dão ordens e desejam uma boa viagem –, mas que substituem vários postos de trabalho.

Um dia, também esta ponte mudará de nome e será tão vulgar como a outra, ninguém se recordará da famosa feijoada da inauguração e das corridas nocturnas que ali amiúde ocorrem.

Um dia… um dia, em vez de duas, serão três as pontes sobre o Tejo e mais alguém estará a enriquecer graças a mais um megalómano contrato bem conseguido e que nós, os utilizadores, pagaremos dia-a-dia com a nossa passagem, independentemente da faixa ou da velocidade que usemos, ou da paisagem de que usufruiremos. O tempo passa, mas as realidades repetem-se, com maior ou menor intensidade e de nada adianta criticar; por isso, continuem a andar na faixa do meio e nas correrias loucas, que eu continuarei a passar pela ponte Vasco da Gama para ver o pôr-do-sol ou para olhar para a minha querida Lisboa com os olhos de um eterno apaixonado. Afinal, é o lado bom da vida que mais interessa, não é?

E a ponte nunca deixará de ser «uma passagem para a outra margem».

Paulo Afonso Ramos
(Editor da Lua de Marfim)


Publicado no Jornal
(Dezembro 2011 - Edição n.º 3 | Ano I)