sábado, agosto 02, 2008

No Fim do Mundo


(Foto de: Josep M. Llovera)

Deixei a noite cair. A escuridão que cobre as ruas dá-me a coragem que preciso para que possa mover-me entre as razões que desconheço e as loucuras que guardo. Sou mesmo assim, alucinado, mesmo que não me queira aceitar, que importa? Sou como sou!
Trago roupas do passado e com elas me visto de acontecimentos já esquecidos. Sou moribundo e não aceito que mo digam, nem tão pouco quero ouvir-me.
Cada passo meu leva-me a lugar nenhum, e, quando é dado, envolve-se na calçada do passeio solitário e, no acto desmedido, acorrenta-se ao negrume do alcatrão da estrada intransitada, prendendo o meu corpo ao momento em que desfaleço e desapareço de mim. Vivo a minha vida assim, a fugir de mim, e, no que me resta, sei que nada presta, por isso me escondo dos outros e, incólume, aguardo o meu fim.
Não quero ouvir vozes! Não afixem cartazes que nem tão pouco sei ler. Riam-se de mim, porque já nada importa, já nada passa por aqui neste espaço mortiço e fechado de mim. Sou apenas mais um corpo esquecido. Nada se move ou faz o vento, nada sinto e, nesta escuridão em que vivo e com a qual sinto os dias que me fogem, torturam-me as vontades e saciam-me os castigos.
Sou o que resta de mim, abandonado, na heresia dos olhares que não me vêem e assim vou continuar até ao pôr-do-sol, onde, então, soará a hora de anunciar o meu fim.
Se acreditasse em mim saberia que tal anúncio já aconteceu, e evitaria que, na luz do dia, o meu corpo fosse notícia.

5 comentários:

Anónimo disse...

As vezes tenho a sensação de carregar o segredo do infinito.
Gbjo

Anónimo disse...

Bela Inspiração, com este texto deste de sonhar a muitos Poetas...
Parabéns pelo teu merecido talento.
Bjs

Marta Vasil (pseud.de Rita Carrapato) disse...

"Desprendi-me” um pouco de mim e quase fiquei alucinada com este texto que li e reli, parecendo-me deixar às claras uma intensidade muito inquietante
Faz tanta falta de vez em quando fugirmos do nosso corpo, de nós próprios e nada melhor que a noite para que esse desprendimento seja um êxtase total.

MV

Unknown disse...

Diferente do habitual, mas ao mesmo tempo muito teu, embora não carregue o amor e a esperança que sempre transmites. A qualidade... excelente!
Mais uma vez estás de parabéns ;)

Beijinhos

Pedra Filosofal disse...

um texto pesado, que quase cheira a despedida deste mundo. Nem por isso com menos qualidade. Tem a tua marca, o teu cunho pessoal. Garantias de qualidade, portanto